Sociedade Bíblica de Portugal

Liberdade espiritual, a mãe de todas as liberdades!

Se na literatura do Antigo Testamento somos confrontados com um Deus que liberta, nas narrativas do Novo Testamento a liberdade surge como mensagem e missão de um povo que, agora, livre deve aplicar-se à libertação daqueles que continuam «prisioneiros» de todo o género de cativeiros. Na perspetiva dos autores neotestamentários a liberdade cristã não está reduzida a uma realidade espiritual, tão pouco à dimensão individual. Em Cristo, fomos libertos da escravidão da morte para anunciar e trabalhar, empenhadamente, na liberdade daqueles que são vítimas de todos os tipos de escravatura. Nomeadamente, denunciado (em todos os tempos) todas as formas que, mascaradas de atualidade, legalidade e modernidade, são culturalmente admitidas e moralmente legitimadas como «fruto» da(s) novidade(s) de cada época.

Se no Jardim do Éden a liberdade concedida para comer de todas as árvores e a sua exceção podem ser entendidas como o berço pedagógico do ser humano para o desenvolvimento de uma autonomia responsável do mesmo, na espiritualidade abraâmica e dos restantes patriarcas, a relação com o divino revela um progresso significativo. Neste sentido, cumpre-nos dar conta das primeiras experiências diplomáticas estabelecidas aqui com outros povos, plasmada tanto nas negociações de paz como nas declarações de guerra ao longo da história, e reconhecer o estatuto de uma verdadeira política externa no reinado de Salomão.

Tendo Moisés como profeta libertador, a lei mosaica foi vista e entendida não só como legislação, mas como «bandeira» de um povo hebreu livre. Saído da escravatura em ordem a uma identidade coletiva emancipada, nela são forjados quatro pilares essenciais: 1) a instituição da celebração da Páscoa para perpetuar a memória da libertação narrada no livro do Êxodo; 2) a constituição da lei como regulamento das relações internas e externas, religiosas e seculares; 3) a constituição de um «colégio» de anciões para garantir e fazer cumprir a lei; 4) a sujeição de todos à lei, incluindo monarcas e líderes religiosos.

Avançando no tempo, na sequência dos exílios verificamos que da experiência religiosa da tribo de Judá irá brotar liberdade de interpretação da lei. O judaísmo da diáspora tornar-se-á uma incubadora de pensamentos e escolas rabínicas com interpretações divergentes não só sobre o Deus de Abraão mas acima de tudo acerca do papel de Israel para as nações. Se por um lado, Fariseus e Saduceus irão disputar e dividir o sinédrio judaico, por outro lado, essénios, herodianos, batistas (discípulos de João) e até mesmo samaritanos ousavam divergir e expressar publicamente a sua fé no Messias.

É, pois, neste contexto de liberdade de pensamento religioso, que surge o anúncio do Reino dos Céus. Entretanto, estando a espiritualidade judaica muito dependente dos cerimoniais, festivais e do templo, primeiro com João e depois com Jesus, a mensagem do Reino vinculou a liberdade espiritual à libertação individual/interior exigindo, inevitavelmente, agir em favor da libertação dos outros e de todas as opressões sociais/exteriores. Nos evangelhos, a liberdade do reino não é uma conquista coletiva que transforma o individuo, mas uma transformação individual com efeitos na vida dos outros à sua volta.

No término desta reflexão, sublinhamos a declaração paulina acerca da ressurreição de Cristo, para o apóstolo ela representa a vitória sobre o último aguilhão do ser humano: o medo da morte! Esta declaração não deve representar apenas uma verdade teológica com efeito na eternidade, mas celebrar os seus efeitos no presente, entre eles: a liberdade emocional conquistada.

No âmbito das celebrações dos 50 anos da Revolução dos Cravos têm vindo à estampa justas reflexões históricas, relevantes testemunhos políticos e merecidas homenagens cívicas. Mediante as linhas acima escritas quisemos nós honrar o momento festivo procurando trazer à memória algumas «pinceladas» sobre a compreensão da liberdade nas Escrituras, como a mãe de todas as liberdades!

Simão Fonseca

Sociedade Bíblica de Portugalv.4.18.14
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