171«Encontro-me sem alento,
a minha vida vai-se apagando,
estou à beira do sepulcro.
2Estou rodeado de zombadores;
dia e noite vejo as suas provocações17,2 Ou: As colinas do mundo inferior estão diante de mim e os meus olhos já dormem nos seus lodaçais..
3Dá-me, por favor, alguém como fiador diante de ti,
alguém que me segure pela mão e apoie.
4Tu, que afastaste deles o entendimento,
não consintas que eles saiam vencedores.
5Eles são como quem convida os amigos para um banquete
e deixa os seus filhos a morrer de fome17,5 Ou: Morra aquele que denuncia os amigos e definhem os olhos dos seus filhos..
6Ando agora nas bocas do povo,
sou alguém de quem todos se horrorizam.
7Os meus olhos desfazem-se de dor,
as minhas forças desaparecem como sombra.
8Por isso, os que são retos ficam admirados
e o inocente revolta-se contra o infiel.
9Ficam mais convencidos de que são justos
e ainda mais acham que têm as mãos limpas.
10Mas venham cá todos, por favor;
hão de ver que não vou encontrar entre vós nenhum sábio.
11Os dias que eu sonhei já passaram
e os meus desejos mais profundos ficaram desfeitos.
12Há quem chame dia à noite
e diga que a luz está próxima, no meio da escuridão.
13Tudo o que espero é uma morada entre os mortos
e arranjar na escuridão uma cama para me deitar.
14Poderei chamar mãe à podridão
e aos vermes, meu pai e meus irmãos.
15Onde posso então encontrar esperança para mim?
Esperança para mim, quem é que a viu?
16Também ela cairá nas garras da morte,
quando ambos descermos ao sepulcro.»
181Bildad, natural de Chua, replicou, dizendo:
2«Até quando nos vais atirar palavras de armadilha?
Compreende as coisas e depois falamos!
3Por que é que nos consideras como animais,
como animais desprezíveis para ti18,3 Segundo outros tradutores, nos v. 2–3, Bildad está a dirigir-se aos outros amigos de Job, que antes tinham falado.?
4Será que por ti a terra se vai despovoar
e os rochedos vão sair do seu lugar,
tu que, exaltado, te despedaças a ti mesmo?
5Olha que a luz do homem mau há de apagar-se,
a chama do seu fogo deixará de brilhar.
6Em sua casa, a luz vai escurecendo
e a lâmpada da sua vida extingue-se18,6 Comparar os v. 5–6 com 21,17.;
7os seus passos vigorosos vão-se encurtando
e é derrubado pelos seus próprios planos;
8cai na armadilha por seu próprio pé,
ele mesmo caminha para o perigo.
9O nó agarra-o pelo artelho,
os laços prendem-no com força.
10Escondido na terra, há um laço para ele,
uma armadilha no caminho, para o apanhar.
11Por todo o lado, os terrores o amedrontam e lhe travam o andar.
12A sua riqueza transforma-se em fome
e a desgraça é agora a sua companhia.
13A doença, filha primogénita da morte,
vai-lhe devorando pouco a pouco a pele e os membros.
14Será arrancado ao sossego da sua casa
e conduzido ao rei dos terrores da morte18,14 Personagem diferente de Deus que, segundo os mitos orientais, preside ao mundo dos mortos..
15Outro habitará na casa que foi sua
e espalhará enxofre sobre os seus bens18,15 Para alguns o enxofre tinha um papel purificador; para outros provocava a esterilidade das terras..
16As raízes que tinha hão de secar
e os ramos que produzira murcharão.
17Na sua terra, esquecer-se-ão dele,
deixará de ser recordado nas redondezas.
18Será atirado da luz para a escuridão
e desterrado para fora deste mundo.
19A sua família ficará sem filhos nem descendentes,
da sua casa ninguém sobreviveu.
20Ao saberem da sua sorte, a oriente e a ocidente,
todos ficarão admirados e dirão cheios de terror:
21“Vejam como acaba a casa do malvado,
a habitação daquele que não reconhece Deus!”»
191Job replicou então:
2«Até quando me vão atormentar
e ferir com as vossas palavras?
3Já por dez vezes me insultaram.
Não têm vergonha de me ultrajar assim?
4Se eu tivesse cometido algum erro,
isso diria respeito somente a mim.
5Mas já que me vêm acusar
e discutir comigo para me envergonhar,
6fiquem sabendo que foi Deus que me desorientou,
atirando sobre mim a sua rede.
7Se eu gritar injustiça, não obtenho resposta;
se peço socorro, ninguém me vem defender.
8Ele tapou-me o caminho, não consigo passar;
e cobre de escuridão o meu caminho.
9Tirou-me a minha coroa de honra,
levou-me a coroa que eu trazia na cabeça.
10Deixou-me completamente arruinado e desfeito,
tirou-me a esperança, como quem arranca uma planta.
11Voltou-se contra mim enfurecido
e tratou-me como um inimigo seu.
12As suas tropas vêm em força,
abrem caminho contra mim
e fazem cerco à volta da minha casa.
13Deus levou os meus familiares para longe de mim
e os meus amigos tratam-me como um estranho.
14Os meus parentes abandonaram-me
e os meus conhecidos esqueceram-se de mim.
15Os que moravam e serviam em minha casa
consideram-me como um estranho,
tornei-me para eles um desconhecido.
16Chamei o meu empregado e ele não respondeu,
tive que lhe pedir por favor.
17A minha mulher acha-me repugnante
e os meus próprios filhos não gostam de mim.
18Até as crianças me desprezam;
levanto-me e dizem mal de mim.
19Os que eram do meu grupo têm horror de mim,
aqueles de quem eu gostava voltaram-se contra mim.
20Os meus ossos estão colados à pele
e os dentes saem descarnados das gengivas.
21Intercedam por mim, meus amigos,
intercedam por mim,
porque a mão de Deus foi muito dura para comigo.
22Por que é que me perseguem, como Deus?
Não ficam satisfeitos sem me devorar?
23Oxalá as minhas palavras pudessem ser escritas
e gravadas numa inscrição ou num livro!
24Quem me dera que fossem gravadas a ferro e chumbo,
para ficarem eternamente marcadas na pedra!
25Eu sei que o Deus da vida é o meu libertador
e ele tem a última palavra contra a morte19,25 Ou: Mas eu sei que ainda tenho vivo um defensor, que há de finalmente levantar-se contra a morte. Ver 16,19.
26E, depois de assim se ter desfeito a minha pele,
de novo vivo19,26 Ou: mesmo descarnado., poderei ver a Deus.
27Hei de vê-lo a meu favor,
hei de vê-lo com os meus olhos, sem estranhar.
O meu coração anseia por que isso aconteça.
28Podereis dizer: “Como é que o vamos perseguir?
Mas a raiz da questão está em mim19,28 Ou: Que motivo de acusação podemos encontrar nele?”
29Mas temam a Deus que, com a espada do seu furor,
vos pode castigar pelos vossos crimes.
E ficarão a saber que Deus faz justiça.»