101«Estou farto desta minha vida!
Vou dar largas ao meu queixume,
vou mostrar a amargura que me vai na alma.
2Peço a Deus: Não me condenes;
diz-me o que tens contra mim!
3Parece-te bem oprimires-me e desprezares-me,
quando foste tu que me criaste
e enquanto deixas que os maus realizem os seus planos?
4Será que a tua maneira de ver as coisas
é igual à de qualquer homem?
5Será que não tens mais experiência,
mais anos de vida do que qualquer mortal?
6Por que é que tentas encontrar em mim
qualquer culpa ou pecado?
7Sabes bem que não sou culpado
e, mesmo assim, ninguém me livra da tua mão.
8Tu me criaste e modelaste com as tuas mãos;
e agora voltas-te para me destruir?
9Lembra-te que me formaste com o barro!
Vais transformar-me de novo em pó?
10Tu fizeste o meu corpo,
como quem coalha leite, para fazer queijo10,10 Imagem destinada a expressar o progressivo desenvolvimento do feto no ventre materno..
11Teceste-me de ossos e músculos
e cobriste-me de carne e de pele.
12Deste-me a vida e trataste-me com amor
e os teus cuidados têm-me conservado em vida.
13Mas agora sei que no fundo do teu coração
tinhas uma ideia escondida.
14Se eu pecasse, havias de pedir-me contas
e não passavas sem castigar a minha culpa.
15Se fosse culpado, ai de mim!
Mas se eu fosse inocente,
também não poderia levantar a cabeça,
sempre humilhado e coberto de aflição.
16Se levantasse a cabeça, agarravas-me como um leão
e voltavas a fazer prodígios contra mim.
17Intensificavas o teu furor contra mim
e ficavas ainda mais irado comigo,
tratando-me cada vez com mais dureza.
18Então por que me fizeste nascer?
Podia ter morrido, sem ninguém me chegar a ver.
19Seria como se eu não tivesse existido;
do ventre seria levado ao sepulcro.
20Os meus dias são breves!
Que Deus se afaste e me deixe,
para eu poder sorrir um pouco,
21antes de ter de me ir embora,
sem esperança de voltar,
para a terra da sombra e das trevas,
22terra negra e sombria,
de trevas e confusão,
onde até a luz é escuridão.»
111Sofar de Naamá11,1 Ver nota a 2,11. disse, em resposta:
2«Será que tanto palavreado vai ficar sem resposta?
Será o muito falar que dá razão a alguém?
3Os teus discursos podem fazer calar um homem,
podes fazer pouco dos outros, sem que ninguém te envergonhe;
4podes dizer: “O que eu digo é a verdade;
estou sem culpa diante de ti11,4 Ou: podes dizer: “O que eu digo é a verdade! Mas tu é que te consideras sem defeito.”.”
5Oxalá fosse Deus a dirigir-te a palavra,
para pronunciar a sua sentença contra ti.
6Ele te revelaria os segredos da sabedoria,
demasiado profunda para ser compreendida.
E fica a saber que Deus te pede contas da tua iniquidade.
7Serás capaz de compreender o mistério de Deus
e todo o seu imenso poder?
8É mais alto que o céu e mais profundo que o abismo.
Que poderás fazer para o compreender?
9É mais extenso do que a terra
e mais largo do que o mar!
10Se ele prende alguém e o leva a julgamento,
quem lhe poderá resistir?
11Ele sabe quem são os falsos e vê onde está o mal,
sem precisar de grandes esforços.
12Os insensatos hão de ganhar entendimento,
quando um burro selvagem nascer domesticado11,12 Ou: quando um burro selvagem se transformar em homem..
13Mas se te voltares para Deus de coração sincero
e estenderes para ele as mãos em oração,
14se afastares de ti o mal que tiveres cometido
e não deixares que a injustiça se aloje em tua casa,
15então poderás levantar a cabeça sem vergonha,
estarás firme e sem medo.
16Poderás esquecer-te do mal,
só te lembrando dele como águas passadas.
17A tua vida brilhará mais que o Sol do meio-dia
e a escuridão da noite será manhã radiosa.
18Confiante, sentirás que há motivos para ter esperança
e, olhando em volta, vais dormir descansado.
19Nada irá perturbar o teu sono
e muita gente te há de prestar homenagem.
20Os maus ficarão esgotados,
à procura de refúgio sem o encontrarem,
e a sua única esperança é morrer.»
121Job respondeu:
2«Realmente, vocês sentem-se importantes
e pensam que, quando morrerem, se acaba a sabedoria!
3Mas eu também tenho inteligência
e não sou menos do que vocês.
Quem é que não sabe tudo isso?
4Estou sujeito ao riso dos amigos!
Chama-se por Deus para que responda
e escarnecem de quem é justo e reto!
5Para os orgulhosos e satisfeitos,
o homem que escorrega é uma coisa desprezível.
6As casas dos ladrões têm prosperidade
e os que provocam a Deus vivem seguros,
pensando que têm Deus na mão12,6 O texto hebraico dos v. 4–6 é de difícil compreensão, motivando traduções divergentes. Talvez haja alusão a práticas mágicas..
7Mas pergunta aos animais que eles te informarão,
todas as aves to darão a conhecer.
8Vai falar com a terra que ela te informará,
os peixes do mar contar-te-ão como é.
9Desta maneira, quem é que não sabe
que tudo o que acontece é obra do Senhor?
10Pois na sua mão está a vida de todos os seres vivos
e o espírito que anima todos os seres humanos12,10 Ou: Da sua mão vem a vida de todos os seres, o sopro da vida é um dom de Deus..
11O ouvido sabe distinguir as palavras,
como o paladar distingue o sabor que lhe agrada.
12A velhice dá sabedoria,
uma vida longa produz inteligência.
13Por isso, ele tem a sabedoria e o poder,
compreende e percebe tudo.
14O que ele destrói não volta a ser construído;
quem ele agarra já não tem escapatória.
15Se ele não deixa cair a chuva, é a seca;
se faz chover demais, as cheias devastam a terra.
16Ele tem poder para triunfar;
a ele pertencem o burlão e a vítima,
17Ele despoja os grandes e manda-os embora
e põe os governantes a ridículo;
18desaperta o cinturão real aos reis12,18 Parece um símbolo da dignidade real, de que os reis são, assim, despojados.
e deixa-os nus diante de todos;
19despoja os sacerdotes e manda-os embora
e derruba os que estavam instalados;
20faz perder a palavra aos presumidos
e tira a sensatez aos velhos;
21põe a ridículo os grandes
e deixa os poderosos sem defesa.
22Põe à vista o que está escondido nas profundezas
e traz à luz do dia o que estava na escuridão.
23Engrandece os povos e depois destrói-os,
fá-los crescer e manda-os para o exílio.
24Tira o entendimento aos chefes do povo
e faz com que percam para sempre o caminho.
25Fá-los andar perdidos, sem encontrarem a luz,
às apalpadelas na escuridão, como se fossem bêbedos.»