Sociedade Bíblica de Portugal

Atração: a mãe de todas as emoções?

Por ocasião da apresentação de Eva, a Adão, encontramos no texto bíblico uma expressão primeva, enigmática e que na língua original, soa a poesia. Na declaração adâmica lê-se: «Desta vez, aqui está alguém feito dos meus próprios ossos e da minha própria carne. Vai chamar-se mulher; porque foi formada do homem” (Gn 2:23 BPT)

Numa primeira leitura temos dificuldade em encontrar quaisquer sinais de romantismo. Pelo menos como o imaginamos hoje. Quiçá não seja esse, também, o nosso problema ou dificuldade com este poema? Aquém e além, dos sentidos e simbologias, estas palavras expressam uma atração, primeira, primária e primordial, que traduz o propósito divino cumprido: dar prazer. Quando Deus viu o ser humano triste (porque, sozinho), considerou criar a mulher para que, nessa relação de companheirismo, ambos – e não apenas um deles – experimentassem a alegria em desfrutar da presença um do outro. Não obstante a atração divinamente criada e humanamente expressa, ela foi malignamente estragada. Contudo, a humanidade não deixou de usufruir dela como experiência criada pelo criador. Porém, agora maculada! E por isso, ao longo da narrativa bíblica observamos algumas histórias de amor apaixonantes, mas também muitos romances que terminaram de forma trágica ou até doentia.

Por um lado, entre várias e distintas atrações, entrecruzadas, interesseiras, incorrespondidas e insanas, que geraram desilusões e efeitos irreparáveis, lembramos Sansão como expoente de toda uma vida determinada pelo modo como decidiu viver as suas paixões. Primeiro, apesar de ciente do perigo confessa-se atraído por uma mulher filisteia (cf. Jz 14,3) inimiga dos israelitas e cuja relação dá origem a um conflito entre ambos os povos; de seguida encanta-se por uma prostituta (cf. Jz 16,1) e por fim deixa-se seduzir pela famosa Dalila (cf. Jz 16,4), uma atração irresistível, mas que se revelará fatal, tanto em termos pessoais como para a nação!

Por outro lado, entre outros relacionamentos amorosos, apesar das dificuldades e desafios, observamos nos textos bíblicos alguns casais que experimentaram uma paixão singular. A experiência dos amantes, inspirados e legitimados por Deus, ganha especial relevo e sentido no romance hebreu Cântico dos Cânticos tendo Salomão e a Sulamita como protagonistas. Apresentada no mais belo de todos os poemas, a atração entre um homem e uma mulher é tatuada nos corpos e o desejo sussurrado entre labaredas de fogo! Divino, diga-se de passagem! Uma paixão proibida pelos guardas (de todos os tempos) que confundem a amante com uma prostituta e a castigam (cf 5,7). Não menos importante esta anotação! Sublinhe-se!

Não fossem suficientes os exemplos acima referidos, na Bíblia encontramos ainda afirmações de um Deus apaixonado. Ao socorrer-se do conceito e do contexto dos amantes, Ele próprio expressa a sua afeição ao confessar: “eis que eu a atrairei, e a levarei para o deserto, e lhe falarei ao coração (Os 2,14)”. Um sentimento de «sedução» declarado na pormenorizada descrição (iminentemente física): “Ficaste forte e alta e fizeste-te mulher. Os teus peitos desenvolveram-se e o teu cabelo cresceu. Porém estavas completamente nua. Quando passei de novo, vi que chegara a idade de te apaixonares. Cobri o teu corpo nu com a minha capa e prometi amar-te.” (Ez 16, 7-8)

Primordial e fundamento de todos os sentimentos, a atração, como exposta na Bíblia, pode ser a «mãe» de todas as emoções quando nos faz experimentar o gozo daquilo que Deus põe diante de nós e nos apresenta como propósito seu. Porém, também tem o poder de escravizar-nos quando, dominados por aquilo que (teimosa e egoisticamente) desejamos possuir, ficamos entregues aos nossos próprios e perturbados desejos. Que a redenção oferecida por Cristo, restaure a compreensão do desejo como dádiva divina e por isso, o prazer que resulta dessa atração uma experiência mútua e plena de alegria.

Simão Fonseca

Sociedade Bíblica de Portugalv.4.26.9
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