Oração, amizade com Deus…
Orar é conversar, é amizade com Deus. A amizade é informal, mas, não é informe. Como acontece com qualquer amizade, precisa de ser nutrida, pressupõe alguns comportamentos e alguma disciplina e, quando desvalorizada por uma mente irrequieta, também pode morrer.
O que se segue, pretende ser uma espécie de mapa-tipo, uma sequência-guia para um regime de oração simples, com o qual devemos nutrir a nossa vida espiritual e amizade com Deus.
Uma preparação silenciosa
A oração não começa com o pedir, mas com uma preparação silenciosa. Não nos devemos apressar na Presença. O resultado de uma mente focada em Deus, reconhece em silêncio a sua presença no mundo e na sua vida, e medita nisso.
O passo seguinte é um ato de fé: “Se tiverem fé, hão de receber tudo o que pedirem em oração.” (Mt 21:22, BPT)
A abrangência da sua misericórdia
Não existe uma ordem fixa na oração em si, mas, seja por um impulso primário ou pela experiência de orar, o primeiro estágio deve ser Ações de Graças.
Certo orador mostrou uma folha de papel branco onde havia um borrão de tinta à sua audiência, e perguntou-lhe o que viam. Todos responderam “um borrão de tinta”. O teste foi injusto: convidava à resposta errada. Ainda assim, existe uma ingratidão na natureza humana que nos faz reparar no borrão de tinta e esquecer a abrangência da misericórdia.
Precisamos de trazer à mente, intencionalmente, as alegrias da nossa jornada. Talvez devêssemos escrever as bênçãos de um dia, para nos ajudar a relembrar o nosso vasto tesouro de contentamento.
Enraizada na Vida para além da vida
Porém, a oração de ações de graças deve ser específica – se somos sempre gratos por tudo, poderemos acabar por não ser gratos por nada.
O ato de agradecer também deveria fazer-nos refletir profundamente: “Quais são as misericórdias permanentes da vida?” Deste modo, a perceção da gratidão romperia para além das circunstâncias terrenas pois, de facto, está enraizada na Vida, para além da vida. “Conta as bênçãos!”, diz o hino antigo, “e verás surpreso o quanto Deus já fez.”
Esta oração de graças deveria terminar numa decisão alegre e solene: “Senhor, grava esta gratidão no meu rosto, nas minhas palavras,
nas minhas preocupações pelos meus vizinhos, em todos os meus pensamentos e ações.”
Colocar o dedo na ferida
A seguir, a oração deve ser confissão. A natureza recorda-nos a sabedoria desta disposição: “Deus tem sido extremamente bondoso, e eu tenho-lhe retribuído com egoísmo em vez de amor.” A confissão verdadeira não requer autopunição – ser impiedoso com qualquer pessoa, até connosco próprios, não é virtude alguma. Uma consciência exacerbada torna-se mórbida: uma consciência subdesenvolvida transforma-se em indiferença e decadência.
Confissão imediata àqueles a quem temos injustiçado pode não ser sábio em todas as situações, mas a Deus, a quem temos injustiçado mais do que a qualquer outra pessoa, é sempre sábio: ele tem compreensão e amor em abundância. No entanto, tal como no agradecer, a confissão deve ser específica. Não deve ser impiedosa, mas também não deve desculpabilizar: deve pôr o dedo na ferida – “eu confesso este juízo de valor, esta inveja, aquela cobardia, este vício que me domina, esta minha contribuição para a maldade do mundo.”
Nova liberdade na sua graça
A contrição não é tarefa fácil: é uma cirurgia. Mas, tal como a cirurgia, não é um fim em si mesma: a oração de confissão leva-nos sempre a aceitar o perdão de Deus… Deus não deseja que nos lembremos, exceto se isso nos fizer lembrar a nossa dependência dele, pois ele está sempre disposto a perdoar.
Se estivermos de joelhos, esta é a altura de nos levantarmos ou de levantar as mãos ao céu, como símbolos da aceitação do perdão de Deus, da nossa fé segura na sua absolvição e da nova liberdade na sua graça. Esta nova postura pode simbolizar também a nossa decisão de emendar as nossas ações, dentro do que nos for possível, e uma renúncia sincera ao pecado.
A confissão sem decisões fica incompleta. A nossa vontade, apesar de débil, deve proceder de uma vida nova. Se assim não for, até o nosso arrependimento pode tornar-se autoengano e um abuso da bondade de Deus. A verdadeira confissão é uma limpeza da alma.
O amor vê rostos
De seguida, a oração deve ser intercessão, sem a qual a oração mais sincera pode afundar-se em egoísmo. A oração do Pai Nosso, mantém-nos recordados do nosso próximo em quase todas as frases: “Pai nosso…pão nosso…as nossas ofensas…”
A intercessão feita em privado deve ser específica - o amor genuíno vê rostos, não vê as massas: “o bom pastor chama as suas ovelhas pelo nome.” A intercessão é mais do que específica, é ponderada, é pesar: requer que carreguemos no nosso coração os fardos daqueles por quem oramos.
Uma súplica do coração
Que nomes deveriam ser os primeiros? Talvez os nomes dos nossos inimigos. A ordem de Jesus é clara: “Tenham amor aos vossos inimigos e peçam a Deus por aqueles que vos perseguem” (Mt 5:44)
A intercessão também nomeia os líderes da humanidade nas suas várias vertentes de responsabilidade política e social: saúde, educação, cultura, etc.; os necessitados, os doentes, os presos, os órfãos; os nossos amigos e colegas de trabalho, e os nossos entes queridos. Ter uma lista de intercessão, pode ser útil para que possamos abordar, diariamente, as necessidades do mundo com sinceridade, e não esquecer ou falhar para com aqueles que dependem da nossa oração.
A verdadeira intercessão é específica, ponderada, mas também é ousada: carrega na súplica do coração as crises do mundo. Tal como a oração de ações de graça, não fica completa sem o nosso compromisso. A oração sincera em amor nunca é em vão.
Perante o Olhar Eterno
À intercessão, segue-se a petição. Vem no final, não por ser a mais importante, mas porque precisa da salvaguarda das orações iniciais. Não devemos recear levar as nossas necessidades pessoais e terrenas em oração, perante o olhar do Amor Eterno, pois nele somos sustentados.
Devemos recear, porém, a invasão de uma mente egoísta. Se primeiro dermos graças, confessarmos os nossos pecados, e orarmos pelos nossos vizinhos, então, a petição poderá seguir o seu livre curso. Por vezes, é expressa em desespero, num grito de crise-humana e tristeza profunda; num bater à porta do céu, na escuridão, com os nós dos dedos em ferida. Outras vezes, é como uma conversa entre amigos, em que se fala dos afazeres do dia-a-dia. Certamente, ambas seriam aprovadas por Jesus: os seus discípulos clamaram já no extremo das suas forças: “Senhor, salva-nos!”; e diariamente conversavam com ele sobre as lutas e alegrias da sua caminhada.
Tentar contrariar a oração de petição é negar a natureza humana. O Novo Testamento tem um conselho melhor: “Não se aflijam com coisa nenhuma, mas em todas as orações peçam a Deus aquilo de que precisam, com espírito de gratidão.” (Fl 4:6)
Amizade mantida em reverência
Os intervalos destes quatro momentos devem ser preenchidos com meditação. Depois de dar graças, devemos contemplar a abundante bondade de Deus. Depois da confissão, devemos adorar o amor perdoador que nos foi dado a conhecer em Jesus, e escutar a sua direção. Depois de interceder, devemos fazer uma pausa e tentar ver as necessidades do mundo do ponto de vista de Jesus, na cruz. Depois de pedir, devemos meditar novamente sobre a sua Vontade.
Orar é falar e ouvir, receber e pedir; e a sua disposição mais profunda é amizade mantida em reverência. Assim, a oração diária deve terminar da forma como começou – em adoração. E a melhor conclusão é: “Em nome de Jesus, Ámen.” Pois no nome ou na natureza de Jesus está a nossa melhor compreensão acerca de Deus, e a melhor correção para as nossas orações desajeitadas. A palavra “Ámen” não é inútil: significa “que assim seja”, e expressa a nossa decisão de viver fielmente no sentido das nossas orações, e o nosso ato de fé, no poder de Deus.
Inspirado em:
A simple regimen of private prayer, George A. Buttrick (1892-1980), in Devotional Classics.