Sociedade Bíblica de Portugal
11/4/2020

páscoa@emcasa.com

O título deste artigo podia, mas não pretende concorrer com os apelos à população. Muito menos fazer alusão à operação de fiscalização que, durante o período da Páscoa, irá garantir que as restrições às saídas de casa serão cumpridas. Pretende-se apenas recordar o apelo do evangelho e informar os seus usuários que, neste tempo de trabalho e espiritualidade digital, a celebração da festividade bíblica mantém o Domínio de sempre – @emcasa.com e escolhemos a respetiva extensão (.)com um propósito: recordar a sua essência!

A Páscoa é um dos temas mais importantes da Bíblia. Para não comprometer a sua interpretação precisamos entender que a páscoa cristã emerge da páscoa judaica. É, pois, imperioso regressar historicamente à primeira. Identificar semelhanças e diferenças com a segunda e, mediante a contextualização e interpretação das respetivas narrativas e símbolos, aprofundar o significado e celebrar com mais sentido.

Dito isto, importa sublinhar que o apelo de Jesus à pascoa@emtuacasa.com ele (Mt26, 17-18) não é apenas um retorno aos primeiros anos da era cristã, mas um regresso ao ambiente familiar judaico, onde toda a família era convocada para celebrar a Pessach (passagem), em concreto, recordar a passagem do anjo! Por ocasião do período de escravidão a que o povo hebreu foi sujeito, durante o reinado do Faraó Ramsés II, um anjo passou por cima das casas da região, matou os primogénitos egípcios e poupou os hebreus. (Êx 12,29). O efeito desta passagem conduziu à saída do povo de Israel do Egipto e com ela, o regresso à condição de povo livre. Neste sentido, a festa também encerra em si a celebração do acesso à liberdade!

Não obstante as festividades, sobretudo as que afirmam a liberdade, terem uma dimensão popular que se expressa em público, a celebração da Pessach remete-nos para a esfera privada: a casa! Curiosamente, ou não, a primeira Páscoa também foi celebrada sob a condição de um recolhimento obrigatório -confinamento que veio a ser instituído (Ex 12: 22,46). As famílias foram convocadas para uma magna e urgente reunião dos seus membros, a fim de prepararem e comerem juntos a refeição pascal.  

Esta cerimónia tinha por objetivo trazer à memória, e perpetuar nas gerações mais jovens, a libertação divina de Israel do jugo egípcio como um dos elementos fundadores da sua identidade coletiva (Ex 12, 26-27). Quer como ambiente, quer como processo, a casa e a mesa desempenham um papel fundamental no conhecimento que se transmite na família. Por isso a celebração da páscoa nesta atmosfera caseira é, significativamente rica em rituais, simbologias e significados, acessíveis a todas as gerações. Na leitura dos símbolos, todos podem apreender os conceitos e aceder ao sentido da festa de acordo com a sua capacidade de apreensão. Embora fosse relevante, não cabe aqui detalhar a ornamentação, os procedimentos e a evolução de ambos. Dizer apenas que o zelo na preparação da cerimónia pode ser confirmado tanto na inquietação dos discípulos, sobre o lugar e os preparativos para comer a páscoa (Mc 14:12), como na resposta de Jesus para requisitarem “um grande cenáculo mobilado e preparado” (Mc 14,15).

Na sua essência a cerimónia da Pessach comporta dois aspetos rituais: a ceia do cordeiro e a narrativa histórica. Da ceia, assente num conjunto variado de elementos e processos repletos de significado e significância, destacamos o cordeiro assado e os pães asmos! O animal deve relembrar o poder do sangue colocado nos umbrais das portas das casas judaicas (Ex. 12,22), o pão sem fermento pretende recordar que a saída do Egipto foi uma partida muito apressada (Ex. 12,39). A narrativa da história tem o papel de ensinar e fazer perdurar de geração em geração a memória e o significado da poderosa ação de Deus no modo como usou Moisés para libertar Israel (Ex 12,26-27).

É, precisamente neste contexto histórico e religioso que Jesus manifesta a sua grande afeição por esta celebração (cf. Lc 15,22). Empenhado em todas as suas prescrições e rituais, Jesus propõe, porém, uma reinterpretação da festividade à luz do que estava para acontecer: sua morte e ressurreição. Dos elementos presentes na mesa da Pessach elege o pão e o vinho como símbolos que doravante deveriam assumir um novo significado: o pão o seu corpo e o vinho o seu sangue. A passagem do anjo da morte e a libertação do povo é ressignificada pela passagem do Cristo que, aos que creem, salva e concede uma nova e definitiva liberdade. Como é que isso acontece? À semelhança do cordeiro sacrificado, cujo sangue pintado nas casas havia salvo os moradores da morte, na última ceia Jesus queria que os seus discípulos entendessem e perpetuassem a Pessach à luz do seu corpo e sangue sacrificados. Do mesmo modo, na confissão da sua ressurreição, a festa da páscoa anuncia uma salvação e libertação definitivas porque a morte deixa de ser o fim para ser transformada numa passagem para a vida.

Seja a celebração d’ pascoa @emtuacasa.com live striming para uns, seja em podcast para outros, e a internet, provisoriamente, o instrumento da hiperligação possível, a celebração online deve permanecer como uma convocatória familiar. Não obstante as circunstâncias trágicas, de emergência e confinamento social impostas pelo combate à pandemia, que nesta páscoa inédita mas tão mais próxima da original, cada um possa ouvir dentro de si o pedido de Jesus: “é em tua casa que vou celebrar a Páscoa com os meus discípulos.» Eles fizeram o que Jesus mandou e prepararam a ceia da Páscoa” (Mt 26, 17-18). Façamos o mesmo!

Simão Fonseca
(Colaborador da Sociedade Bíblica)

Sociedade Bíblica de Portugalv.4.18.12
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