Eu canto a minha dor
Três lições sobre alegria resiliente
Por, Joni Eareckson Tada
Fundadora e Diretora Executiva da organização Joni and Friends
A alegria encontra-se nos lugares mais estranhos. Vejamos esta parábola: «O reino dos céus é como um tesouro escondido num campo. Quando alguém o encontra volta a escondê-lo. E, cheio de alegria, vai vender tudo quanto tem e compra o campo. (Mateus 13,44)
Mas a vida não é assim. Nesta parábola, podemos ver o campo como uma representação daquilo que Deus gostaria que abraçássemos para bem da nossa alegria. O lote de terreno que ele tem para si pode não ser atrativo; pode parecer-se mais com um terreno baldio, cheio de garrafas partidas, latas de óleo enferrujadas e pneus velhos espalhados. Pode ser um descampado, sem nada que insinue a mínima possibilidade de riqueza. Até descobrir que nele se esconde um tesouro. De repente, o pedaço de terra dura, cheio de ervas daninhas transborda de possibilidades. Depois de saber a riqueza que ali se esconde, vai querer vender tudo o que tem para o adquirir. Foi o que aconteceu comigo.
Ouro impressionante
Nos primeiros dias após a minha paralisia— e quase por acaso — desenterrei um tesouro inesperado. Abri a palavra de Deus e descobri o poço de uma mina. Enterrei os meus dedos paralisados num peso de glória incompreensível, numa doçura com Jesus que empalideceu a minha paralisia, em comparação.
Na minha alegria, saí e vendi tudo, troquei o ressentimento e a autopiedade, para comprar o terreno baldio que ninguém quer. E extraí ouro.
Depois de décadas a usar a picareta e a pá da oração e das Escrituras, o meu campo produziu as riquezas do reino dos céus. Encontrei um Deus estrondoso, pleno de alegria transbordante. O seu Filho mergulha no seu próprio oceano de júbilo sem fundo, e é impelido a partilhá-lo connosco. Porquê? Para que, como ele próprio diz, “[…] se alegrem comigo e para que tenham uma alegria perfeita.” (João 15,11)
Mas, ao escavar fundo a base rochosa das Escrituras, a minha pá bateu em algo duro e inflexível. Deus não é moço de recados de ninguém. Sendo o soberano solene de tudo e de todos, ele partilha a sua alegria nos seus próprios termos. E esses termos exigem que soframos - e que soframos, em certa medida, como o seu amado Filho sofreu quando andou na terra. (2 Timóteo 2,12).
Alegria na esperança
Ninguém entende melhor a relação entre a alegria e o sofrimento do que o Filho do Homem. O meu Deus tornou-se humano, o seu amor insiste que eu não esteja só nas minhas lutas. Quado me dói, ele sabe. Mas, Jesus não se compadece apenas; ele fez mesmo alguma coisa acerca isso. Através da sua morte e ressurreição, ele libertou-me do poder do pecado e, em parte, do sofrimento que daí resulta. E libertar-me-á completamente no tempo porvir.
Essa era vindoura é a minha alegre esperança! É a esperança que vê Jesus no seu trono, e o seu reino a preencher todos os cantos do cosmos. Esperança que vislumbra a tristeza e o lamento apagados da face do universo. Esperança que espera ansiosamente o momento em que a dor e as lágrimas serão banidas e o mal será punido.
Mas essa esperança — a pátria celestial de Hebreus 11,16
Em alternativa, alimento a minha esperança. Sou fortalecida pelo meu precioso Salvador e pela maneira como ele suportou um sofrimento impensável pela alegria que lhe foi proposta. Eu sigo-o, e vou estacionando a minha cadeira de rodas em Romanos 12,12
Mas, alegrarmo-nos na esperança é mesmo difícil – a esperança pode parecer tão distante, vaga e enublada. No entanto, Deus ordena-nos isso mesmo. Pois, se Jesus deixou de lado as suas vestes para se revestir da enorme indignidade do nascimento humano por nossa causa, então, o seu Pai tem o direito de comandar a nossa alegria. Ele tem a prerrogativa de convocar em nós uma felicidade proporcional ao sacrifício do seu Filho. Devemos cultivar uma alegria digna de Jesus, a nossa bendita Esperança. (Tito 2,13).
Alegria no sofrimento
“… sentimos alegria nos nossos sofrimentos, porque o sofrimento produz a perseverança; a perseverança provoca a firmeza de caráter nas dificuldades e a firmeza produz a esperança.” (Romanos 5,3
Nesses momentos, a esperança já não parece distante, mas muito próxima. Já não é vaga nem nublada, mas concreta e real. A esperança preenche a minha visão com Jesus, fazendo com que a minha dor pareça mais leve e momentânea comparada com a glória que será revelada. Então, quando o sofrimento começa a desvanecer a minha determinação, alimento a minha esperança, dando vários passos:
- Canto através do meu sofrimento. Sempre que me sinto abatida, peço a alguns amigos para orarem, depois adoro a Jesus com hinos cheios de doutrina sólida. Hinos que se focam na dignidade de Cristo, têm a força espiritual suficiente para invadir a minha alma desanimada e despertar uma resposta esperançosa. Quando a minha mente está fraca e demasiado enevoada para juntar duas frases em oração, o meu coração entra em modo automático e canta os hinos que sei de cor, como o desta estrofe que diz:
Acorda, minha alma, e canta
Sobre aquele que morreu por ti,
E saúda-o como teu incomparável rei
Por toda a eternidade!
- Preencho o meu coração com coisas boas. Não sou fã de televisão. Se uma determinada história não transmite uma virtude moral ou verdade que aponte para Deus, antes da primeira interrupção publicitária já o meu coração se entorpeceu. Por que razão haveria de ceder o estado real do meu precioso cérebro áquilo que enfraquece o meu espírito? Em vez disso, ocupo o meu coração com bons livros, vídeos e arte, memorizo as Escrituras, poesia, e procuro amizades edificantes que alimentem a minha alma. “É inteiramente apropriado que o nosso coração esteja em Deus quando o coração de Deus está tão voltado para nós”, escreveu Richard Baxter. “Se Deus não tem os nossos corações, quem ou o quê, os pode ter?” (The Saints’ Everlasting Rest
- Sirvo aqueles que sofrem mais do que eu. Há sempre pessoas numa situação pior do que a minha, e o meu trabalho é encontrá-las e incentivá-las em Cristo. Foi o que Jesus fez nas suas últimas horas na cruz. Apesar da sua dor impenetrável, cuidou dos interesses da sua mãe e do ladrão ao lado dele, e até pronunciou perdão sobre os homens brutais que o torturaram. (João 19,26–27
Alegria resiliente
Ao alegrarmo-nos no sofrimento, experimentamos uma alegria de outro mundo. Nunca pergunta, “Quanta mais alegria posso eu ter?” mas, adapta-se prontamente a situações difíceis com a elasticidade suficiente para voltar á primeira forma, quando desapontada. A alegria resiliente torna a esperanca viva, de tal forma que podemos estar “tristes, mas andamos sempre alegres” (2 Coríntios 6,10
O sofrimento tornou-me hipersensível às alegrias de Deus. Uma alegria que é uma emoção e um fruto do Espírito — é profunda e intensa e, ainda assim, faz cócegas num deleite quase vertiginoso perante a perspetiva da esperança celestial.
Este tipo de alegria arduamente conquistada enche o coração de Cristo de alegria. Aproxima-se o dia em que Jesus nos libertará completamente do pecado e do sofrimento, e apresentar-nos-á “cheios de alegria na sua glória” (Judas 1,24
O dia da coroação aproxima-se para esta quadriplégica a envelhecer. Não há tempo a perder. Por isso, volto para o meu terreno baldio, cheio de garrafas partidas e ervas daninhas de picareta e pá na mão. De volta ao campo sombrio da dor e da paralisia, pelo qual ninguém dava nada. Deus estava de olho naquele terreno inútil, desde o início para mim, e eu não podia estar mais grata. E, certamente, não poderia estar mais feliz.
Joni Eareckson Tada